sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

sábado, 28 de janeiro de 2012

Fim dos tempos

Décimo terceiro andar:
Estricnina sob a mesa,
Um corpo sob o tapete
Que não sonhava com nada.

Do andar de baixo vinha
Um baque, um estardalhaço,
Como trombeta de anjo,
Algum gatilho puxado.

E pela janela aberta,
Entre pássaros cinzentos,
Outr’alma se despencava
Acenando com a mão.

Enquanto tudo ruía
Nem um músculo mexi...
Fiquei ali contemplando
Com a corda no pescoço.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O balão e a nuvem

Nuvenzinha sumindo no azul brando
Partiu sem par, estirada, poeira,
O balão solitário vai chorando
Seu partido coração, à fogueira.

E quem em terra ficasse admirando
Saberia – ironia ou brincadeira
Que ele unicamente existia quando
Expirava de si sua fumaceira.

Sob os céus, por todo canto, explora.
E quanto mais fôlego ele tomava
Mais a poluía e mais oculta a tinha.

Ela, morando do lado de fora,
Apenas inutilmente sonhava
Dar-lhe, um dia, uma doce chuvinha.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Balada do amigo imaginário

Nada, menos que real
Disseram-me que não és.
Mas cá pra nós, meu amigo
Tomei, a sós, tantos cafés?

Será confusão de ficções
De imaginárias imagens
Estás de fato aqui comigo
Ou não passas de miragem?

Contei mais de mil segredos
Ensinei-te a tocar violão
Meu amigo duvidoso
Com autêntico coração.

Como um filme bizarro
Feito de cárceres de carne
Feito de óssea ilusão
Em desmedida verdade.

Se porque penso existo
Vou (sub)existindo por aí...
Engano atrás de engano
Penso que é melhor dormir.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Coceira

Uma noturna coceira
Obstinada, e a pele unhada,
Num canto, na espinha.
Retorce o que pode
Unha, agulha
Inquieta, pedra
Garfo, faca e machado.
Um jorro de sangue
De colorida agonia
Rasgou mortalmente
O corpo traído
Em troca de paz.

Sobre urinar em cadáveres

Por esses dias, assistindo Tv, deparei-me com um curioso episódio, a saber: em um momento de conflito e guerra em um país do Oriente Médio (não vem ao caso nem o país, nem o conflito em si), um soldado, após ter assassinado um subversivo manifestante opositor, urinou sobre seu corpo e disse-lhe para ter um bom dia.

A princípio, pareceu-me algo sem fundamento; mortos não se importam. De fato, eles são lançados para passarem o resto de suas mortas existências enterrados em meio a todo o tipo de deterioração, terras sujas, vermes esfomeados, decompositores que fazem de seus orifícios aconchegantes moradias. Talvez fosse muito mais condenável alguém que, mesmo que em pretenso momento de aperto, usasse de uma árvore, arbusto, gramínea ou vegetal para aliviar sua incontrolável vontade humana. Neste caso, afinal, estaria falando de urinar em seres vivos, cujas células possuem uma função e significado.

Não obstante o estranhamento inicial, aos poucos compreendi  a situação. Não, não se tratava de humilhar o morto, tirar-lhe a dignidade ou deixá-lo com mau cheiro perante os portões celestiais. Acontece que matá-lo não foi o suficiente. Era questão de algo mais, além da vida. Pretendia o soldado, por meio de um simbólico gesto metonímico, aniquilar também aquilo pelo que o jovem manifestante dedicara toda sua vida, aquilo em que transpusera cintilantemente seu sentido existencial e paixão. O soldado urinou em sua pátria, em seus ideais, em seus valores. Quis demonstrar que toda aquela luta do rapaz não passava de fétido romantismo e feneceria nas profundezas de um lamaçal de esgoto. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Seja Dito

Pensamentos não se leem sozinhos. Ela nunca teve notícia das águas. Das noites em que ele, por saudades, não dormiu. Dos versos, sem fim, acabados em cinzas. Dos planos e sonhos que nunca foram ditos. Daquele sorriso ao simples lembrar. Porque quando a via, sua alma perdia-se num parque de diversões, cheio de luzes e rodopios; mas quando ela ia, restava-lhe um balanço solitário no vazio. Devia tê-la convidado para ver os desenhos efêmeros das nuvens; supunha a si mesmo que ela estivesse olhando pro céu no mesmo instante. Sabia, porém, que agora era tarde demais. Fracassou. Não soube demonstrar o que sentia. Ah, como sentia. E todos os dias que escolheu simplesmente deixar passar em branco, enjaulando o coração sob grades de espinhos, esses, esses foram perdidos. A vida é uma sentença de morte às vezes, e ele morreu sem saber se ela sabia.